Paga por um organizador privado misterioso, a viagem de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) até Londres, Inglaterra, para participar de um fórum jurídico em um hotel “caríssimo” se tornou alvo de críticas do jornal O Estado de S.Paulo. Para o veículo de imprensa, falta “pudor” a magistrados da Suprema Corte, que são frequentemente vistos em “eventos empresariais dentro e fora do país ou em coquetéis homenageando políticos nas mansões de advogados em Brasília”.
– Junto com a balança e a venda, a toga preta simboliza a uniformidade, a isonomia, a sobriedade da Justiça. Todo servidor deve seguir os princípios da administração pública, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, legalidade; mas, se aos juízes cabe um figurino, é porque devem não só segui-lo, mas representá-lo. Não basta ser íntegro, é preciso parecer – disse o jornal.
Ao lado de integrantes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, de senadores e deputados, os magistrados Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes estiveram no Hotel Peninsula entre a última quarta (24) e sexta-feira (26) para o 1º Fórum Jurídico Brasil de Ideias.
– É louvável que ministros do STF se reúnam em fóruns para discutir questões jurídicas do país. É mais difícil entender, no entanto, os motivos pelos quais esses ministros precisaram sobrevoar o Atlântico para fazê-lo num caríssimo hotel de Londres, com tudo pago por um organizador privado – analisou o Estadão.
O periódico pontua que houve falta de transparência em relação à viagem, e consequentemente a população brasileira não pôde ter acesso ao teor do diálogo “travado há léguas do Brasil”.
– “Relacionamento” e “conexões de poder” não faltaram (…) Já a “comunicação” deixou a desejar. A imprensa foi barrada na porta (…) Não é dado aos brasileiros conhecer o teor desse “diálogo construtivo”, travado a léguas do Brasil, entre o mais alto escalão do Judiciário com empresários que certamente estão longe de serem observadores desinteressados. Além do palavrório sobre democracia, as passagens aéreas, os jantares de quase R$ 2 mil e as diárias de mais de R$ 8 mil foram bancados por uma empresa de tecnologia digital – apontou o Estadão.
O periódico reflete que nem todo país tolera “extravagâncias” por parte de ministros de Supremas Cortes. O jornal cita como exemplo o caso dos Estados Unidos.
– Há pouco, causou escândalo nos EUA a revelação de que um juiz da Suprema Corte aceitara férias luxuosas e outros mimos de um bilionário. A Corte se viu constrangida a editar um código de ética postulando, entre outras coisas, que juízes devem “evitar a impropriedade e a aparência de impropriedade”, “apenas exercer atividades extrajudiciais compatíveis com as obrigações do cargo” e “abster-se da atividade política”. Por aqui, não houve constrangimento nenhum, mesmo que regras como estas existam há tempos – observou.
O Estadão lamenta que, no Brasil, os ministros julguem “casos em que amigos são partes ou familiares são advogados”, façam manifestações políticas e antecipem vereditos antes da conclusão do julgamento.
– Um ministro se jactou a uma plateia estudantil de ter “derrotado o bolsonarismo”. Outro conduz inquéritos secretos há anos, mas basta um holofote ou microfone para desandar a condenar os investigados como “golpistas” e “extremistas”. Muitos anunciam veredictos fora dos autos, às vezes antes mesmo da abertura do processo – acrescentam os autores do editorial.
Para o periódico, quando há pudor em meio às autoridades, sequer há necessidade de lei e código de ética comportamental.